terça-feira, 29 de setembro de 2009

A ÁRVORE QUE NÃO TINHA MEDO DO CÉU


A ÁRVORE QUE NÃO TINHA MEDO DO CÉU


O Céu não foi sempre alto assim, nem a floresta tão bonita e cheia de vida.
     No começo, o Céu ficava muito perto da Terra e pesava sobre ela como se fosse uma grande tampa, de tal modo que as árvores só conseguiam crescer para os lados. Então seus galhos ficavam uns por cima dos outros, suas folhas varriam o chão tristemente, seus brotos se amarrotavam e secavam...
     Era assim desde o começo dos tempos - e seria até hoje se uma sumaúma, cansada de viver apertada, não tivesse forçado seu destino.
     "Quem sabe se não há mais espaço do outro lado do teto do mundo?", sonhava ela.
     Firmando bem sua copa, a árvore tentou furar um buraco e então - mas que prodígio! - o Céu recuou alguns metros! Era o que bastava para que a valente sumaúma se endireitasse em todo o seu tamanho e passasse lá para cima, para aspirar o ar das alturas.
     Espantadas ao verem que se afastava o tirano que as oprimia desde sempre, as outras árvores aproveitaram para se sacudir e se esticar, lançando seus galhos para o alto. Os troncos se firmaram, as raízes ancoraram majestosamente no solo, os brotos atrofiados se desdobraram, embriagados de felicidade, e deixaram assim nascer milhares de folhas. Em volta da sumaúna, em pouco tempo a Terra era uma vasta floresta virgem, que finalmente começava a respirar.
     Enquanto isso, do outro lado do Céu, um jovem casal de órfãos avançava cautelosamente pelas grandes pradarias celestes. Ao avistar o que tanto procuravam, ficaram imóveis. Um lagarto grande , preguiçoso, tomava sol estendido sobre uma nuvem. O caçador ergueu sua azagaia, enquanto sua companheira punha uma flecha no arco. Consultaram-se com um olhar e fizeram pontaria... O lagarto deu um salto e rolou sobre si mesmo, no instante em que os dois projéteis fendiam o ar. Os órfãos não acreditaram no que viam: não apenas tinham errado o alvo, mas seus tiros haviam desaparecido num buraco! Esquecendo a presa, aproximaram-se da abertura...
     Debaixo do assoalho do Céu, um estranho mar verde ondulava a perder de vista. Olhando mais de perto, descobriram a flecha e a lança fincadas no meio daquele oceano esquisito. Não era um mar líquido. O que seria então?
     - E se nós descêssemos? - sugeriu a moça, fascinada.
     Não precisou dizer duas vezes. Era isso mesmo o que ele queria. Pousou o pé num galho da sumaúma, para testar se era firme, e depois estendeu os braços para a companheira, a fim de ajudá-la. De galho em galho, penetraram assim no coração daquele reino verde, até pisarem em terra firme. Durante todo o dia, exploraram cada recanto da floresta, maravilhados com sua beleza e com o frescor que nela reinava. A mesma idéia lhes ocorreu, ao mesmo tempo: por que não se mudavam para viver ali embaixo?
     O entusiasmo deles diminuiu quando, depois de muitas horas de buscas inúteis, tiveram de se render às evidências: não havia viv'alma naquele lugar... Nem um animal nos ocos, nem ao menos um inseto! Um silêncio mortal planava sobre a floresta desabitada.
     Muito desapontados, os órfãos se sentaram num tronco de árvore para pensar. Mesmo que eles se alimentassem apenas de frutas e bagas, morreriam de tédio e solidão. E como começavam a ter fome, a moça de repente se lembrou de que tinha no bolso uma espiga de migo celeste. Ia dividi-la ao meio, mas mudou de idéia e a cortou em três pedaços. Deu um ao companheiro, guardou o outro para si e plantou o último na beirada do bosque. Talvez surgisse um campo de milho daquela terra semeada, num sinal de que pudessem ficar lá embaixo.
     Enquanto as primeiras folhinhas do pé de milho apontavam timidamente em busca da luz, a sumaúna continuava a crescer, empurrando o Céu, lá nas alturas. Até que chegou um momento em que o Céu se cansou e não quis mais chegar para trás. Curvou-se todo para resistir ao ataque daquela insolente... mas a árvore acabou conseguindo transpassá-lo e sair do outro lado.
     Foi assim que uma copa gloriosa e triunfante irrompeu bem no meio da pradaria do céu - para grande alegria dos animais que lá viviam e que vieram correndo se abrigar dentro dela. Até que enfim, aparecia um lugar fresco e sombreado!
     Porém, mal tinham se metido pelo meio da folhagem, quando o Céu resolveu de uma só vez se afastar para bem longe da sumaúma, indo parar no lugar onde está até hoje.
     Abandonados, sentindo-se presos numa armadilha, os animais não tiveram outro remédio: trataram de descer, de qualquer jeito, pelo tronco da sumaúma e foram viver na floresta. Os que não conseguiram, nem sabiam voar, tiveram de esperar que os órfãos fossem buscá-los, um a um.
     Foi assim que o Céu  mudou o mundo todo, graças a uma árvore que não tinha medo do Céu.

Texto de Franck Jouve
Tradução de Ana Maria Machado
Pesquisa Ekedi Rovena

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